Lunes, 07 Noviembre 2016

Ter ou não ter (uma apólice na mão) eis a questão - Ou como o Direito dos Seguros revela mais um exemplo da prevalência da substância sobre a forma

VolverEsta semana divulgamos um acórdão da Relação de Guimarães que captou a atenção deste Departamento especialista em Direito de Seguros da Belzuz. Trata-se de um acórdão já com alguns meses, datado de 30/06/2016, proferido no âmbito do processo 2644/13.1TJVNF.G1, tendo sido relatado pela Juíza Desembargadora Maria Luísa Ramos e votado por unanimidade.

Invoca-se no seu sumário a linha interpretativa disposta em 2008 pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Proc. Nº 08B2673m em acórdão datado de 09/10/2008 (então relatado pelo Juiz Conselheiro Alberto Sobrinho, e igualmente aprovado por unanimidade) para se afirmar que “O contrato de seguro é um “contrato formal que se prova pela apólice, forma ad substantiam do mesmo contrato” (…). Note-se que esta citação não se encontra no sumário do acórdão de 2008 mas sim no corpo do seu texto, pois o seu sumário quase aponta para o seu inverso, defendendo que nem sempre o facto de haver “papéis” trocados entre as partes permite concluir pela existência de um contrato de seguro válido e em vigor.

Mas voltemos ao acórdão da Relação de Guimarães de 2016: fazendo jus à ampla remissão normativa vertida no artigo 4º da Lei do Contrato de Seguro (doravante “LCS”, aprovada pelo Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril) a Relação de Guimarães invoca ali institutos clássicos do Direito Civil como o dever de boa fé na negociação de contratos, os deveres laterais contratuais como o de proteção da contraparte, o interesse contratual positivo, bem como as graduações da culpa e o relevo da negligência, que depois aplica (apenas lamentando este Departamento especialista em Direito de Seguros da Belzuz que o tribunal não tenha feito igual uso generosa das disposições da LCS.

De certo modo, passa-se ali por cima das especificidades trazidas pela LCS para antes fazer brilhar e prevalecer o disposto no Código Civil, sendo aliás sintomático que dos quatro pontos que compõem o seu sumário, apenas um trate especificadamente do Contrato de Seguro para ali descrever, citando o Prof. António Meneses Cordeiro, aqueles que ali se tomam como sendo os quatro elementos cardiais do contrato de seguro (“a relação de seguro comporta o prémio, a cobertura do risco, a eventualidade do sinistro e a indemnização dele resultante”), apenas para mais à frente, já no corpo do texto do acórdão da Relação, se dispensar de um deles ou pelo menos o relegarem para pano de fundo que se entende ali não relevar para o caso, dizendo mesmo, entre sonoro parêntesis “(sendo a questão relativa ao pagamento dos prémios alheia a este processo).”

Ora, é manifesto que não se tratava ali de uma ação judicial de cobrança de prémios de seguro que não foram pagos, mas este Departamento especialista em Direito de Seguros da Belzuz entende que essa dimensão da questão podia e devia ter sido abordada pelo tribunal e não ser quase ignorada como o foi.

Focando-nos no caso do acórdão da Relação de 2016, um casal pretendeu obter um financiamento bancário para o qual lhe foi solicitado (leia-se, “exigido”) que os mutuários subscrevessem um seguro de Vida tendo a entidade mutuante como primeira beneficiária. Para tal efeito os mutuários contactaram uma seguradora (que não a que lhes foi sugerida pelo Banco) e subscreveram e entregaram-lhe uma proposta de seguro de vida, que teria o mesmo capital e prazo que o mútuo bancário cuja liquidação assim indiretamente se garantia.

Tal proposta foi depois expressamente aceite pela Seguradora, que inclusivamente comunicou ao Banco mutuante a sua aceitação do risco que lhe fora proposto.

Entretanto, tendo falecido um dos dois mutuários, veio a outra, sua cônjuge e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito daquele, solicitar à Seguradora a emissão de uma segunda via da apólice de seguro mas nada dizendo acerca da verificação anterior do sinistro (morte do tomador, uma das duas pessoas seguras).

Respondeu a Seguradora que o seguro não estava válido e em vigor: o risco apresentado pelos mutuários nunca chegara a ser avaliado pela Seguradora, nunca fora considerado no quadro da análise daquela proposta e da consequente (subsequente?) fixação do valor da contraprestação a cargo do tomador, pelo que nenhum prémio alguma vez chegara a ser pago à Seguradora.

Entendeu-se neste acórdão da Relação que a avaliação do risco era uma tarefa a cargo da Seguradora e que esta devia tê-la executado antes de ter emitido declarações a terceiros, nas quais declarou aceitar o risco que lhe fora apresentado mas que nunca chegara a avaliar e por cuja cobertura nunca chegara a receber a respetiva contraprestação.

Para a Relação de Guimarães “Decorre, porém, dos factos provados, de forma indubitável, que, independentemente da subscrição da Apólice de seguro, título do contrato, a 2º Ré seguradora aceitou o risco referente á proposta de seguro de vida”.

Tendo-o feito perante o Banco/beneficiário principal, deverá então suportar a “(…) a Ré seguradora a essencialidade e consequências da sua declaração de aceitação do risco (…) tendo a seguradora actuado de forma negligente, e, assim, culposa, ao não proceder á conclusão “formal” do contrato de seguro, e que se impunha, revelando-se tal conduta, gravemente lesiva da proteção dos direitos da outra parte, “aparentes” segurados, in casu, a ora Autora e seu falecido marido. A violação do “dever de conclusão” “formal” do negócio, que no caso concreto se impunha, determinará a responsabilidade da seguradora para “cobertura do interesse positivo, ou de cumprimento “ (…) tudo se passando como se o contrato de seguro tivesse efectivamente sido realizado (sendo a questão relativa ao pagamento dos prémios alheia a este processo ). (…) condenando-se a 2ª Ré Seguradora a pagar o montante em dívida ao 1º Réu Banco D, à data da morte do C. (…) condenando-se o Réu Banco a devolver à Autora todas as prestações por si pagas desde a data do óbito”.

Repare-se que no Sumário do acórdão de 2008 do Supremo ali invocado pela Relação se sublinha uma conclusão aparentemente oposta à que aqui se chegou, dizendo o STJ que “No contrato de seguro do ramo vida, pela especificidade do risco coberto, é perfeitamente plausível que a seguradora pretenda recolher elementos que a habilitem a avaliar o risco a cobrir com o seguro que lhe foi proposto. A assim não acontecer, e a ter-se o contrato por concluído com a recepção da proposta pelos serviços da seguradora, estar-se-ia a abrir a porta a toda a espécie de fraudes. A eficácia do seguro está subordinada a uma verdadeira condição, qual seja a da possibilidade de avaliação do risco pela seguradora, dentro de certo prazo”, concluindo mais à frente que “É, assim, possível concluir que não se pode dar como celebrado o contrato de seguro do ramo vida entre o proponente e a ré seguradora.”

Claro que não só os factos subjacentes a um e outro aresto são profundamente diferentes como, et pour cause, a contradição acima aflorada é mais aparente do que real (como deixámos claro), tendo tais diferenças levado a que estes dois tribunais superiores tenham decidido em sentidos absolutamente opostos, absolvendo a Seguradora em 2008 e em 2016, condenando-a.

Este Departamento especialista em Direito de Seguros da Belzuz não pode deixar de lamentar o silêncio da Relação de Guimarães quanto à contraprestação a cargo do tomador do seguro enquanto elemento constitutivo da relação jurídica de seguro (a LCS afirma no seu artigo 1º que “(…) o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.”), ainda que sejam notórias as diferenças de redação dos artigos 59º e 61º da LCS quando comparados com o disposto no art.203º do mesmo diploma, diferenças de regime para as quais o art.58º logo chama a atenção.

Perante a possibilidade eventual de esta decisão vir a ser revista pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso da decisão da Relação, o caso e essa nova decisão serão revisitados pelo Departamento especialista em Direito de Seguros da Belzuz.

Departamento de Derecho del Seguro | Portugal

 

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