Lunes, 03 Abril 2017

Dupla Descrição Predial

VolverEste mês o Departamento de Direito Imobiliário da Belzuz Abogados S.L.P. – Sucursal em Portugal debruça-se sobre o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017, de 22 de fevereiro de 2017, que se pronunciou sobre a dupla descrição predial.

O presente Acórdão veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”.

O referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça veio pronunciar-se sobre duas decisões contraditórias proferidas no âmbito da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito – a de saber, se havendo uma dupla descrição predial, alguma das pessoas inscritas como titular de direitos sobre o prédio com inscrição lançada em uma das descrições poderá invocar as presunções que decorre do registo (artigo 7.º), contra outra pessoa também inscrita como titular de direitos sobre o mesmo prédio, em outra descrição.

A resposta a esta questão era suscetível de ter – como teve efetivamente – um desfecho diferente nas duas causas, justificando-se, pois, a decisão de uniformização de jurisprudência.

A questão que neste recurso se discute é extremamente controversa, tanto na jurisprudência como na doutrina, podendo dizer-se que um dos raros momentos de unanimidade é o que se refere ao carácter gravemente nocivo para o registo – e suas funções – da existência de duplas descrições do mesmo prédio.

A resposta dada pelo Código do Registo Predial às duplicações das descrições, no seu artigo 86.º não é, claramente, uma resposta definitiva ao problema. O preceito limita-se a dispor que "quando se reconheça a duplicação de descrições, reproduzir-se-ão na ficha de uma delas os registos em vigor nas restantes fichas, cujas descrições se consideram inutilizadas”, acrescentando que “nas descrições inutilizadas e na subsistente far-se-ão as respetivas anotações com remissões recíprocas”.

As teses em confronto são, pois, essencialmente duas: atender aos princípios do registo ou, ao invés, resolver o problema com o apelo apenas às regras do direito substantivo.

A primeira tese atende, sobretudo, ao princípio da prioridade no registo, consagrado entre nós no artigo 6.º do Código do Registo Predial, sustentando que só quem tem inscrições lançadas nessa descrição mais antiga é que beneficiará, em rigor, da presunção que consta do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

Defende esta tese que “se o titular legítimo for diligente a requisitar o respetivo registo nunca se verá envolvido por essas situações propícias à fraude imobiliária, a não ser em casos de duplicação de descrições prediais, cada vez menos frequentes, dado que o princípio da legalidade impõe ao Conservador do Registo Predial a verificação da identidade do prédio”. E, conclui dizendo que "(…) se, mesmo assim, a duplicação se verificar, a solução terá que ser buscada através do princípio da prioridade, dando prevalência ao titular do direito legítimo, em primeiro lugar inscrito, sem prejuízo da responsabilidade que eventualmente deve competir ao Estado, por um erro (duplicação) que só ele próprio tem meios para evitar ou eliminar".

A tese oposta sustenta que a solução deve ser encontrada com apelo às regras do direito substantivo, e sublinha que a dupla descrição mina a própria pedra angular do registo, comprometendo, de modo inexorável a função essencial do registo, já que, o artigo 1.º do Código do Registo Predial estabelece que “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”. A duplicação de descrições de um mesmo prédio conduz à possível existência de uma aparência jurídica intrinsecamente contraditória.

Entendeu, por isso, e a nosso ver bem, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017 de 22 de fevereiro de 2017 que a solução não pode deixar de ter em conta a teleologia do registo predial. A finalidade principal do registo é a segurança do tráfego, e só de maneira reflexa e secundária, a segurança dos direitos. Os registos públicos estão instituídos para dar a conhecer. Logo, a sua existência justifica-se na necessidade de proteger a confiança de terceiros, isto é, do público em geral, o que claramente é sinónimo de interesse público. Só por reflexo é que os registos protegem (ainda e também) a pessoa a quem diz respeito o facto registável.

Por outras palavras, quem consulte o registo predial e encontre descrito o prédio que, por hipótese, pretende comprar, e nessa descrição encontre inscrito como proprietário quem nas negociações que, porventura, já iniciou assumiu o papel de potencial vendedor não tem o ónus de consultar todo o registo para verificar se existe ou não uma duplicação da descrição. Deve poder confiar na aparência criada por este sistema público de registo. E, isto é exato, tanto para quem encontre uma das descrições, como para quem se fie na outra descrição do que é, no fim de contas, um mesmo prédio.

Se nas duas, ou mais descrições do mesmo prédio tiverem sido lançadas inscrições em nome de diferentes titulares, então tanto um, como o outro, gozam da presunção consagrada no artigo 7.º do Código de Registo Predial – “o registo definitivo constitui presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – pelo que tais presunções, contraditórias entre si, se destroem ou anulam mutuamente.

Deverá, no entanto, reconhecer-se uma exceção à regra da destruição recíproca de presunções resultantes do registo, no caso de dupla descrição predial, quando quem invoque a presunção resultante de uma das inscrições prove que o outro titular inscrito em outra descrição agiu de má-fé. Importará, no entanto, não apenas provar a má-fé, mas ser aqui particularmente exigente quanto ao conteúdo da má-fé que deverá corresponder a um comportamento fraudulento.

Com efeito, e como já foi mencionado, quem consulta o registo e encontra uma ficha e a descrição de um prédio estará para este efeito de boa-fé se ignorar a existência de outra descrição. Mas, mesmo que conheça a existência de outra descrição pode não ter meio de determinar qual das descrições corresponde à realidade extra tabular. Afigura-se, pois, que só estará de má-fé quem seja responsável pela criação fraudulenta da situação de duplicação das descrições ou quem tenha, pelo menos, conhecimento dessa fraude.

 Telma Moreno Nunes Telma Moreno Nunes

Departamento de Derecho Inmobiliario | Portugal

 

Belzuz Advogados SLP

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