Lunes, 07 Febrero 2022

A responsabilidade da empresa de seguros nos casos de representação aparente do mediador

VolverA responsabilidade da empresa de seguros nos casos de representação aparente do mediadorAs empresas de seguro podem fazer a comercialização dos seus produtos diretamente, através do contacto com o cliente, ou por via indireta, mediante o recurso a mediadores de seguros. Neste último caso, uma das questões que se poderá colocar com maior relevância, prende-se com a eventual responsabilidade da empresa de seguros por qualquer ato ou omissão cometido por um dos seus mediadores de seguros no momento da contratação.

Na perspetiva dos potenciais tomadores, os mediadores de seguros são verdadeiras extensões da empresa de seguros, na medida em que, por exemplo, na fase da contratação do seguro, são estes que prestam àqueles todas as informações pré-contratuais e o aconselhamento que seja exigível para cada situação, assim como, durante a vigência do contrato ou no momento da participação de um sinistro, na maior parte das vezes, é a estes mediadores que os tomadores recorrem para obter as informações necessárias.

Significa isto que, na visão do tomador de seguro médio, poderá existir quase que uma identificação entre a empresa de seguros e o mediador, funcionando este como uma dependência ou representação daquela, apesar de, em termos jurídicos, tal não ser exatamente assim. Este aspeto poderá levar a que surjam algumas dúvidas sobre em quem recai a responsabilidade no caso de existir um erro do mediador.

Imaginemos, por exemplo, a hipótese de o potencial tomador se ter dirigido ao mediador na perspetiva de celebrar um contrato de seguro, tendo sido aconselhado por este sobre qual o seguro que melhor satisfaz as suas necessidades. O tomador preenche a respetiva proposta e entrega-a ao mediador com toda a documentação que lhe é exigida, garantindo-lhe este que o contrato de seguro se encontra feito e que a partir da data constante da proposta, o seguro se encontraria ativo. Porém, como o mediador não tinha poderes para celebrar contratos de seguro, remeteu a aludida proposta para a empresa de seguros para que esta desse a sua aceitação e, deste modo, o contrato de seguro fosse efetivamente celebrado. No entanto, o mediador apenas enviou a proposta de seguros à empresa de seguros três semanas após a sua receção, sendo que, durante este período, se verifica um sinistro. Levanta-se, assim, a questão de saber se, perante esta representação aparente (em que o tomador confia que o contrato de seguro já se encontra celebrado e em vigor, uma vez que tal lhe foi assegurado pelo mediador), a empresa de seguros poderá ser responsabilizada.

Perante uma situação como a exposta, não existe uma solução unitária, devendo sempre ser analisados todos os factos da situação em concreto. Com efeito, a Lei do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril) estabelece, como regra, que “o contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.

Cumpre referir que se considera o contrato de seguro ratificado se a empresa de seguros, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa-fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respetiva oposição.

No exemplo que expusemos, atento o atraso no envio da proposta à empresa de seguros, por parte do mediador, e não tendo existido qualquer ratificação do contrato de seguro celebrado pelo mediador, a empresa de seguros não seria responsável pelo pagamento do sinistro que, entretanto, ocorrera. Porém, a regra que mencionamos acima possui uma exceção. Assim, o contrato de seguro que o mediador, agindo em nome da empresa de seguros, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a esta se (i) tiverem existido razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, (ii) que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, (iii) desde que a empresa de seguros tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

Regressando ao exemplo que temos vindo a analisar, dúvidas não subsistem que existem razões ponderosas para o contrato de seguro ser eficaz face à empresa de seguros (o facto de o mediador ter garantido que o contrato estava feito e que entraria em vigor na data indicada, por exemplo), bem como que tais factos justificavam a confiança do tomador do seguro e que este se encontrava de boa-fé. No entanto, o último requisito não se mostra verificado, visto que a empresa de seguros, neste caso em concreto, não contribuiu para fundar a confiança do tomador do seguro, pelo que, também aqui, não haveria responsabilidade desta.

Imaginemos, no entanto, que, ao invés do atraso no envio da proposta, o mediador tinha acesso à plataforma informática da empresa de seguros, e que esta plataforma lhe permitia emitir (ainda que provisoriamente) apólices de seguro, assim como cancelar as mesmas. Ao receber a proposta, o mediador emitiu a apólice ao tomador e entregou-lhe esse documento, omitindo que se tratava de uma apólice provisória e que estaria ainda sujeita a aprovação por parte da empresa de seguros. Mais tarde, o mediador cancela a apólice emitida e faz seus todos os prémios de seguros pagos pelo tomador.

Ora, na hipótese descrita, tem sido entendimento da jurisprudência que existe uma conduta negligente ou descuidada da empresa de seguros, na medida em que esta não diligenciou na prevenção da ocorrência de situações em que seja legítimo presumir a existência de poderes de representação, nem na prevenção da prática de eventuais atuações ilícitas por parte do mediador, encontrando-se assim preenchido todos os requisitos da representação aparente, havendo, por isso, responsabilidade da empresa de seguros.

Em síntese, será sempre necessário atendermos a todas as circunstâncias do caso concreto para aferirmos se estamos ou não perante uma situação de representação aparente, sendo que, em caso afirmativo, haverá responsabilidade da empresa de seguros pelos atos do seu mediador.


Artículo publicado na revista Atualidad€ - Câmara de Comércio e Indústria Luso Espanhola (CCILE)

 Luis Filipe Faria Luis Filipe Faria

Departamento de Derecho del Seguro | Portugal

 

Belzuz Advogados SLP

La presente publicación contiene información de carácter general sin que constituya opinión profesional ni asesoría jurídica. © Belzuz Abogados, S.L.P., quedan reservados todos los derechos. Se prohíbe la explotación, reproducción, distribución, comunicación pública y transformación total o parcial, de esta obra, sin autorización escrita de Belzuz Abogados, S.L.P.

Madrid

Belzuz Abogados - Despacho de Madrid

Nuñez de Balboa 115 bis 1

  28006 Madrid

+34 91 562 50 76

+34 91 562 45 40

Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo.

Lisboa

Belzuz Abogados - Despacho de Lisboa

Av. Duque d´Ávila, 141 – 1º Dtº

  1050-081 Lisboa

+351 21 324 05 30

+351 21 347 84 52

Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo.

Oporto

Belzuz Abogados - Despacho de Oporto

Rua Julio Dinis 204, Off 314

  4050-318 Oporto

+351 22 938 94 52

+351 22 938 94 54

Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo.

Asociaciones

  • 1_insuralex
  • 3_chambers_global_2022
  • 4_cle
  • 5_chp
  • 6_aeafa