Lunes, 05 Mayo 2014

Declaração do risco no contrato de seguros: um acórdão exemplar sobre o dever de declaração do risco e consequências da sua violação

VolverNa nossa atividade de sociedade de advogados com uma área de prática especializada em Direito dos Seguros, uma das tarefas mais recorrentemente executamos é acompanhar o modo como os nossos tribunais vão interpretando e aplicando o Direito dos Seguros, muito especialmente quando aplicam o “novo” regime legal do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril (pois dado o lapso de tempo que decorre entre a apresentação de uma ação judicial em primeira instância até à obtenção de uma decisão superior em sede de recurso, decorrem sempre alguns anos e é por isso que só recentemente começamos a ver interpretações judiciais da “nova” lei).

O caso que vos trazemos tem ainda o benefício de se basear generosamente numa obra que muito apreciamos, de referência nesta matéria, trabalho recente e a todos os títulos notável do Dr. Luís Poças, que esperamos seja em breve acompanhado de novas obras do mesmo calibre, mesmo que menor fôlego (referimo-nos à obra “O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro”, publicada pela editora Almedina em 2013, cuja leitura se recomenda aos mais interessados).

O litígio em causa foi decidido há um par de meses pelo Tribunal de Relação de Coimbra, e cuida do dever de informação a cargo do tomador do seguro no tocante ao cumprimento da declaração (inicial) de risco: ao contratar um seguro obrigatório automóvel (no âmbito de um contrato de seguro multi-riscos, com danos próprios, englobando aquela cobertura) o tomador informou a Seguradora de que o condutor habitual da viatura segura seria o seu filho. Até aqui tudo bem feito. Sucede porém que o mesmo tomador omitiu da Seguradora que esse condutor habitual era já então portador de uma incapacidade de um dos seus membros superiores.

Mais tarde o mesmo sofre um acidente rodoviário que provoca grandes danos ao veículo seguro e o seu ressarcimento é solicitado à Seguradora.

Esta, ao tomar conhecimento por via da participação do acidente não só do demais circunstancialismo ali descrito como especialmente do facto de o alegado condutor padecer de uma incapacidade motora no membro superior esquerdo (que necessariamente o impede e limita na sua respetiva mobilidade e operacionalidade) declinou qualquer responsabilidade por entender que essa limitação física constituía uma limitação condicionante da aptidão física para conduzir, da qual a Seguradora não foram informada até esse momento por não lhe ter sido comunicada aquando da contratação do seguro.

Mais arguiu que tal informação lhe foi, voluntária e conscientemente ocultada com o propósito de a enganar – por via de declarações inexatas e falsas, de má fé - em seu prejuízo e em proveito próprio do tomador do seguro, para assim obter a concordância da Seguradora à proposta contratual que lhe fora apresentada, conseguindo um prémio de seguro de menor valor do que aquele que resultaria da aplicação do tarifário vigente às limitações físicas do condutor habitual do veículo.

Aquela incapacidade do condutor constitui um elemento relevante na avaliação do risco e, concomitantemente, na sua decisão de aceitar ou não a proposta de seguro que fora apresentada, e bem assim na sua determinação dos valores dos prémios respetivamente aplicáveis, com o que defendeu a nulidade do próprio contrato de seguro.

Na sua louvável análise dos factos apurados, a Relação de Coimbra considerou o contrato de seguro como estando submetido ao DL 72/2008 e fundamentou a sua decisão no regime da declaração inicial de risco, começando pela “causalidade”, nexo de causalidade entre a omissão – por parte tomador do seguro - das condições físicas do condutor habitual mencionado e o acidente ocorrido, ou seja entre a invocada falta de declaração de risco e o acidente ocorrido, tendo para tanto factos suficientes que demonstravam esse nexo (se o condutor tivesse uso pleno do seu braço esquerdo, não só usaria este como o faz qualquer condutor sem limitações, como não estaria sujeito às limitações de movimentos que comprovadamente tem, facto que não pode deixar de ser tido em consideração para efeitos desse nexo causal, que se considerou verificado).

O tribunal entendeu ainda que, se é verdade que por força do art.1º do DL 72/2008 “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem…” também é certo que este risco resulta, desde logo, da chamada “declaração inicial do risco” a que se reporta o art.24º desse regime, segundo o qual “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, disposição ainda aplicável quanto a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito, donde resulta que não só o tomador está obrigado a declarar quem é o condutor habitual do veículo - sob pena de anulabilidade do contrato - como está ainda obrigado a declarar quaisquer outras circunstâncias igualmente relevantes para a apreciação do risco proposto e a segurar, e entre essas circunstâncias está seguramente a de saber se esse condutor é portador de alguma incapacidade que o afecte (mas não iniba) na sua capacidade de condução, facto que foi omitido e que não pode deixar de ser tido como relevante para a apreciação do risco a segurar, dentro dos princípios da boa fé, colaboração e confiança entre as partes.

Assente esta circunstância, conclui existir uma omissão por parte do tomador de factos relevantes para que a Seguradora pudesse avaliar o concreto risco proposto e o respetivo prémio a ele associado, omissão com efectiva relevância/causalidade no sinistro ocorrido que gerou os danos cuja indemnização se requereu.

Como as limitações físicas do condutor habitual do veículo eram do conhecimento do tomador e não foram comunicadas à Seguradora aquando da contratação do seguro, foram ocultadas de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de a enganarem, sempre em prejuízo desta e em proveito próprio do tomador, tudo para assim obter o OK à proposta e assim pagar um prémio de menor valor do que o que resultaria da aplicação do tarifário vigente às referidas limitações.

Essa atitude do tomador foi então considerada dolosa (dolo negocial grave) por revelar uma conduta de má fé, deliberada e no sentido de não dar a conhecer à Seguradora elementos físicos do condutor habitual indicado que com toda a certeza tinham influência não só na vontade da Seguradora contratar, mas seguramente agravariam o prémio do seguro e de forma relevante, o que o tomador do seguro pretendeu que não sucedesse ao esconder aquela circunstância da Seguradora.

Isto determinou que a Seguradora não esteja obrigada a cobrir o sinistro, aplicando o regime geral da anulabilidade do contrato (dado que o sinistro ocorreu antes de a Seguradora ter tido conhecimento desse incumprimento doloso através da prestação de informações inexactas) e, anulado o contrato de seguro em causa, deixou a Seguradora de estar obrigada a cobrir o risco que tinha assumido (resultado a que de igual modo se chegaria por força da chamada “Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel”, aprovada pela Norma Regulamentar nº 14/2008-R que prevê a mesma sanção para estes casos).

Mais frequentemente do que o desejável deparamo-nos com decisões judiciais algo criticáveis pela frequente interpretação desatualizada e minimalista das regras seguradoras, quantas vezes desenquadradas do contexto jurídico que as rodeia e lhes deu origem, em aplicações algo mecânicas e demasiado literais das leis dos seguros. Outras vezes, como é o caso deste acórdão de 11/02/2014, temos o grato prazer de as poder ler, elogiar, e ver nelas refletido e continuado e apurado o estudo de matérias seguradoras, como é o caso do tema estudado na obra acima identificada. Não deixaremos para tanto de ir acompanhando a doutrina e jurisprudência seguradoras portuguesas, desde logo para as podermos ir aplicando em benefício dos nossos clientes, numa lógica de melhoria contínua dos serviços jurídicos por nós prestados e de otimização dos resultados conseguidos para o cliente, seja em juízo ou fora dele.

Departamento de Derecho del Seguro | Portugal

 

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