A ASF comunicou ao mercado no passado dia 5 do corrente mês de Maio que está a proceder a uma consulta pública. Os parênteses usados no título visam chamar a atenção para um aspeto de supervisão e espelham a dupla função da presente newsletter: por um lado divulgar uma consulta pública em concreto a que a ASF está neste momento a proceder, e por outro lado e mais amplamente, saudar um novo modo de fazer as coisas a que a AFS passou a estar vinculada pelo seu novo Estatuto.
Que a ASF venha divulgar ao mercado os índices trimestrais de atualização de capitais para as apólices de seguro do ramo “Incêndio e elementos da natureza” com início ou vencimento no terceiro trimestre de 2015, dificilmente em si messo seria notícia de capa de jornal, ou mesmo tópico de um singelo artigo de uma newsletter de advogados de Direito dos Seguros.
Ainda que a divulgação desses elementos tenha por um lado uma função prática não negligenciável e por outro, um pano de fundo jurídico importante (trata-se de uma concretização exigida legalmente, nos termos do art.135º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – DL 72/2008 - sob a égide do Princípio Indemnizatório), não foram estes aspetos que chamaram o olhar deste Departamento de Direito dos Seguros.
É que desde que trabalhamos nesta área sempre fomos confrontados com a publicação direta desses índices através da respetiva Norma Regulamentar, daí que a novidade esteja em que os mesmos sejam objeto de consulta pública antes da sua publicação em documento oficial.
A notícia, que vem aliás dar razão aos ventos de bonança e mudança que comentámos na nossa newsletter de Fevereiro do corrente ano (ver aqui) não se deverá a uma mudança no espírito da ASF (pois ao ISP nunca faltou fôlego e boa vontade) mas resulta antes e diretamente de alterações ao seu estatuto recentemente efetuadas, provando-se assim que do ISP para a ASF algo mudou, e não foi apenas o nome.
O anterior estatuto do ISP, contido no DL 289/2001, 13 de Novembro, referia no número 3 do seu art.4º o seguinte: “No âmbito das suas atribuições, o ISP emite normas regulamentares de cumprimento obrigatório pelas entidades sujeitas à sua supervisão, as quais são publicadas na 2.ª série do Diário da República.”
Temos aqui bem espelhado o velho paradigma da Administração Pública clássica, em que o Estado dita as regras, não houve os operadores de mercado que as têm de aplicar, estes que se cuidem quando as tiverem de aplicar e depois, se e quando houver um volume de queixas suficiente, logo se pensa em mudar as regras e em como elas podem ser feitas de outra maneira.
Ora, qualquer pessoa razoável compreende que a própria Administração Pública tem a ganhar se ouvir antecipadamente os vários interessados ou “stakeholders” na sua regulamentação, entre os quais também estão os particulares, daí que a prática de consultas públicas seja sempre uma medida salutar - independentemente na quantidade ou qualidade dos contributos que receba. É uma medida simples de transparência e que potencia uma solução que melhor satisfaça o interesse público e que por isso devia ser mais e melhor aplicada.
A realidade (pelo menos tal como ela é revelada pela ASF, que é quem tem os dados em causa) não desmente esta afirmação: durante todo o ano de 2014, o ISP procedeu a uma única consulta pública. Atento o tema tratado na mesma, seria assaz surpreendente e preocupante se o não tivesse feito, pois tratou-se do anteprojeto de decreto-lei de transposição da Diretiva Solvência II. Mas durante todo o ano de 2014 a ASF não tomou a iniciativa de proceder a qualquer outra consulta pública. Tal poderia dever-se a que durante nesse período não tinha preparado nova regulamentação relevante, que merecesse tal tratamento e divulgação.
Simplesmente, os dados adicionais sobre esta matéria confirmam a preocupação acima: desde 2009 até este momento de 2015, o então ISP e agora ASF, procedeu a apenas a 8 consultas públicas. Parece pouco e é pouco. Sublinhamos que desse número total, 6 ocorreram em 2010, ano recordista e particularmente ativo no que tocou a regulamentação preparada pelo ISP.
É também compreensível que, neste quadro, uma matéria algo prosaica como os índices trimestrais de atualização de capitais para apólices de seguro do ramo “Incêndio e elementos da natureza” dificilmente teria valor intrínseco para despoletar uma consulta pública, pelo que a atual Consulta Pública n.º1/2015 tem uma outra explicação, e daí que todas as atualizações trimestrais efetuadas nestes anos todos tenham seguido diretamente em Normas Regulamentares.
O novo estatuto da entidade redenominada ASF (publicado através do Decreto-Lei n.º 1/2015, de 6 de janeiro) ajustou os estatutos desta ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto.
E essa lei-quadro determina no seu art.41º, respetivamente nos seus nº.s 1 e 3, que “Antes da aprovação ou alteração de qualquer regulamento que contenha normas de eficácia externa as entidades reguladoras devem proporcionar a intervenção do Governo, das empresas, de outras entidades destinatárias da atividade da entidade reguladora, das associações de utentes ou consumidores relevantes e do público em geral.” e ainda, quanto ao seu procedimento, que “A consulta pública deve ser realizada num período não inferior a 30 dias, salvo se outro prazo for definido nos estatutos ou se situações de urgência devidamente fundamentadas motivarem a definição de prazo inferior.”
É neste contexto que encontramos o artigo 16º do novo estatuto da ASF, cuja alínea a) do seu n.3 atribui ao conselho de administração da ASF a competência para “(….) no domínio da atividade regulatória (…) aprovar normas regulamentares, de cumprimento obrigatório pelas entidades sujeitas à supervisão da ASF, respeitando o procedimento previsto no artigo 47º;”
Esse procedimento dita que a ASF promove a consulta pública prévia à emissão das respetivas normas regulamentares e que “2 - Para efeitos da consulta pública, a ASF faculta aos interessados o acesso aos projetos de norma regulamentar e disponibiliza-os no seu sítio na Internet, concedendo, em função da respetiva extensão e complexidade, um prazo razoável para a emissão dos respetivos comentários e sugestões, o qual não é inferior a 15 dias, salvo se situações de urgência devidamente fundamentadas motivarem a definição de prazo inferior.”
Sem bem que se lamente a redução para metade do prazo mínimo geral (que é de 30 dias na lei-quadro das entidades reguladoras e de apenas 15 dias nos estatutos da ASF) para análise e comentário a diplomas que podem ser, não só por vezes extensos, como em regra tecnicamente complexos e delicados, isto para mais quando se tem um histórico que não indicia que a entidade que nos seus estatutos reduziu tal prazo para metade tenha tido nos últimos anos uma sobrecarga de trabalho de tal modo anómala e excecional derivada de pronúncias em sede das poucas consultas públicas que realizou, que justificasse essa opção, em prejuízo do interesse pública que haja a maior e melhor discussão pública possível, sempre se saúda a entrada numa nova era de relacionamento da Administração Pública em geral, das entidades reguladoras em especial, e da ASF em particular, com ganhos para todos.
Não deixe por isso de consultar a página de internet da ASF e de fazer os comentários que tenha por convenientes ao projeto de Norma Regulamentar divulgado na Consulta Pública n.º1/2015. Pode fazê-lo aqui, e lembre-se que o prazo está a correr: tem até ao dia 20 de Maio de 2015 para o poder fazer.
Departamento de Derecho del Seguro | Portugal
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