terça, 02 novembro 2021

O diagnóstico pré-natal e a responsabilidade médica (wrongful birth actions)

VolverO Departamento do Direito da Saúde de Belzuz Abogados S.L.P. - Sucursal em Portugal debruça-se neste artigo na análise da responsabilidade civil médica proveniente de erro no diagnóstico pré-natal, matéria cuja análise e tratamento tem sofrido uma franca evolução.

Nos países onde a interrupção voluntária da gravidez (IVG) é permitida têm vindo a tornar-se cada vez mais comuns as chamadas ações de «wrongful birth» (ação por dano de nascimento indesejado ou indevido), que se traduzem em ações propostas pelos progenitores criança que nasce com uma malformação não detetada ou não informada pelos médicos aquando da realização dos exames pré-natais, e que têm em vista o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Na verdade, um erro médico na realização, interpretação ou comunicação de técnicas de diagnóstico pré-natal, que venha a originar uma situação de desconhecimento pelos progenitores de malformações congénitas ou doenças graves no feto, inviabiliza a possibilidade de recurso à IVG e leva ao nascimento de uma criança que, por se encontrar onerada na sua saúde pode ser indesejada, o que justifica que os progenitores se possam socorrer do instituto da responsabilidade civil com vista a obter uma indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais.

Realce-se que os exames pré-natais permitem e têm por objetivo detetar e identificar eventuais malformações do feto e, em caso de que tal ocorra, possibilitar a opção consciente pela interrupção voluntária da gravidez nas circunstâncias estritamente previstas na Lei.

Entre os progenitores e o médico que procede à realização de tais exames é estabelecido um Contrato de Prestação de Serviços, nos exatos termos do estatuído no artigo 1154.º do Código Civil e, em termos gerais, tende a qualificar-se a obrigação assumida pelo médico como obrigação de meios e não de resultado.

Tal significa que este cumpre a sua obrigação quando presta os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, em estrito respeito pelas melhores técnicas da «legis artis», afastando assim a presunção de culpa vertida no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil. É ao lesado que compete demonstrar que o lesante não atuou de acordo com as chamadas «legis artis» e que a lesão decorre de um comportamento negligente do médico, o que, em regra, constitui uma prova de extrema dificuldade.

Não obstante, tem vindo a considerar-se que, no que respeita aos exames pré-natais, que se traduzem na realização de exames laboratoriais com o inerente diagnóstico, a obrigação do médico consiste numa obrigação de resultado e não de meios, o que significa que o médico se vincula à obtenção de um resultado específico.

A qualificação como obrigação de resultado tem como consequência caber ao médico provar, em caso de malformação não detetada ou não informada aos progenitores, que tal resultado decorre de uma impossibilidade objetiva, atribuível a caso fortuito ou de força maior.

Ao médico que realiza os exames laboratoriais – que atingiram um elevado grau de especialização - cabe proceder à sua adequada interpretação, de acordo com as regras cientificamente vigentes e comunicar na íntegra os resultados aos pais, com todos os esclarecimentos necessários, para que estes possam tomar uma decisão livre, consciente e informada quanto ao prosseguimento ou interrupção da gravidez

Conclui-se, pois, que nos casos em que ocorre o nascimento com alguma má formação que pudesse ter sido detetada durante a gravidez, a tempo de a poder interromper dentro do prazo legalmente previsto, e se produziu um diagnóstico erróneo ou não houve informação aos progenitores, se aplica o regime da responsabilidade civil contratual, e consequentemente a presunção de culpa que recairá sobre o médico.

Proximamente abordaremos a matéria das ações por dano de vida indesejada ou indevida - «wrongful life» - que são aquela que são interpostas pelo próprio com vista a reclamar danos, patrimoniais e morais, relacionados com o facto de ter nascido com tais condições.

 Teresa Lopes Ferreira Teresa Lopes Ferreira 

Departamento Direito da Saúde | Portugal

 

Belzuz Advogados SLP

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